Artigo: Homenagem aos Sapateiros batistenses
31/10/2022 @ 13:43

O som do martelo no tripé era música nos ouvidos de Aires e Jovina, consertando sapatos perto da Igreja Matriz, na então freguesia de São João Batista do Alto Tijucas Grande, naquele início de século, em 1909. Eles nem sonhavam com o futuro dessa profissão. Logo depois, em 1913, a Sapataria de Eleotério Vargas no bairro Cardoso marcava o início do empreendedorismo calçadista. O Brasil sentia os efeitos da crise econômica internacional e os momentos de tensão que antecederam a Primeira Guerra Mundial, e nesse embalo o calçado chegou aqui, como um produto local.

Muitas outras sapatarias foram surgindo, com destaque para aquela que pode ser considerada a mais

antiga em atividade. A Sapataria Favorita, que começou lá em 1939, mudou de dono e de nome e hoje é a Raphaella Booz, uma das mais tradicionais fábricas da região.

Ao lado da agricultura, do comércio e dos serviços, foi a indústria que impulsionou esta cidade, mais especialmente a indústria calçadista. Só que o calçado despontou depois do fechamento da Usati, usina de açúcar que dominou por décadas a economia do Vale. Com as vagas extintas e os empregos perdidos, o que era dor virou esperança e o povo foi à luta. Rapidamente aprendemos a conviver com máquinas de costura, lixadeiras, prensas, balancins...

Mas a força que nos trouxe até aqui nunca esteve nas máquinas e ferramentas. O que sempre nos moveu foi o ser humano, o profissional por trás de cada obra prima: o sapateiro.

Protagonista de uma história de sucesso, o sapateiro foi o legítimo guardião das nossas esperanças. Na antiga “esquenta orelha”, no volante de uma velha Fiorino, empunhando um estilete ou fechando caixas de papelão, o sapateiro foi transformando sonhos em realidade.

O primeiro registro de reconhecimento oficial está na Lei 870/84, assinada pelo prefeito Sinésio Otaviano Dadam. Essa lei autorizava a aquisição de um fogão a gás para sorteio, em comemoração aos patronos dos sapateiros. No ano seguinte outra lei autorizava a compra de brindes para a

Festa do Sapateiro.

Em 1996 a Lei 2.079 deu nome à Praça dos Sapateiros e homenageou o sapateiro Nazário Oliveira. A Lei 2.439/2001 instituiu o Dia do Sapateiro, e depois duas leis trataram da Semana do Sapateiro, em 2010 e 2017. A lei original, de 2010, diz que “A Semana do Sapateiro ocorrerá na semana do dia 25 de outubro de cada ano e será marcada com a realização de eventos festivos com a apresentação de shows artísticos, torneios esportivos, escolha da garota do calçado e confraternização entre o
Poder Público, empresários e respectivos funcionários da indústria calçadista.”

E por quê 25 de outubro?

Essa é a data consagrada pela Igreja Católica a dois santos que tinham justamente o ofício de sapateiro, que é uma das profissões mais antigas. Então os sapateiros não tem um padroeiro, e sim
dois: São Crispim e São Crispiniano. Irmãos nascidos de uma família cristã em Roma no Século III, foram perseguidos por sua fé e fugiram para a França. Pregavam ensinamentos cristãos, ajudavam pessoas pobres, e à noite fabricavam calçados. Essa ligação entre o ofício de sapateiro, a caridade
e a espiritualidade, está inclusive na Oração católica, que diz assim:

“Oh! Deus, que com tão inefável bondade inspirastes a vossos fiéis servos Crispim e Crispiniano a renúncia dos bens terrenos e o amor das espirituais delícias, o horror das mundanas vaidades e os encantos da eterna bemaventurança, o desprezo das galas transitórias e gosto dos trabalhos humildes, concedei-nos, pela intercessão destes ilustres Mártires a graça da verdadeira sabedoria, desprezando tudo o que é efêmero e caduco para amarmos somente o que é salutar e eterno. E vós ínclitos Patronos, que tão heroicamente empenhastes a vossa vida para atear na terra o amor de Jesus, intercedei por nós, para que seguindo o vosso exemplo possamos honrar sempre o nome cristão.”
Essa marca indissociável pode ser encontrada inclusive no poema “O Sapateiro”, da escritora batistense Raquel Mázera, que termina assim:

“Velho ou novo sapateiro que aqui chega,
executando essa linda obra de criação.
Que Deus ilumine a cada sapateiro, seguindo
firme nessa grande missão”

Esse poema é parte de um acervo ainda tímido, mas valoroso de registros históricos da nossa evolução. São João Batista foi construída com o suor do sapateiro, ao longo de tantos dias de luta e tantas noites em claro. Muita gente cresceu entre o cheiro do couro e da cola, tirando daí o sustento, a comida, a educação dos filhos, e o direito de um lugar ao sol.
Essa caminhada foi intensa. O sapateiro aprendeu a enfrentar as crises, os calotes, as longas viagens, a
concorrência feroz e o fantasma da sazonalidade, que dividia o ano em altos e baixos, em correria e ócio, em muito trabalho e muita preocupação.
Mas o saldo foi positivo e o reconhecimento da lei estadual 12.076/2001 fez desse município a Capital Catarinense do Calçado.
Quem não conhece São João Batista talvez nem desconfie que por trás de cada belo sapato exista uma
história de luta, e também de criatividade. Porque nada vem fácil, nunca veio.
É preciso entrar de sola nas adversidades, colar nas oportunidades e montar um plano. Até aí, tudo bem, porque de solado, de cola e de montagem o pessoal entende.
Depois é só ir costurando tudo, e dar um bico fino nos problemas.
Esse é o calçadista batistense. Guerreiro e criativo. Aquele que vai e faz. Aqui estamos, pois, mantendo a tradição de homenagear anualmente pessoas que fizeram do calçado o seu ofício. É uma comemoração pela passagem do Dia do Sapateiro, em 25 de outubro, e um gesto de gratidão aos que
escolheram honrar essa profissão. Hoje estamos a receber cinco valorosos profissionais do calçado.

Discurso em sessão solene de realizada pela Câmara de Vereadores de São João Batista em  26 de outubro de 2022. 
Escrito e apresentado pelo vereador Nelson Zunino Neto.

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